segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Revenue Management na Indústria Rodoviária

Estou há alguns meses estudando as características do transporte rodoviário intermunicipal e interestadual e analisando a aplicabilidade do Revenue Management nesta indústria no Brasil. Finalmente consegui chegar a algumas conclusões e já posso vir aqui compartilhá-las com vocês.

No início, acreditei ser algo simples de se implantar e de fazer funcionar com sucesso, porém comecei a encontrar diversas dificuldades. De um modo geral, as mesmas encontradas há quase 40 anos quando se começou a pensar nesta ferramenta para as companhias aéreas.

A primeira barreira está na legislação que rege o transporte rodoviário que não dá liberdade para as empresa buscarem as melhores alternativas para melhorar a rentabilidade. Entre elas, impede que a empresa possa buscar fontes alternativas de receita - o que é chamado de "ancillary revenue" ou receita adicional nas companhias aéreas - como por exemplo vender espaço dentro ou fora dos ônibus para publicidade e vender produtos à bordo. Há também um controle excessivo sobre as tarifas promocionais a serem praticadas em cada par de cidade ou seção, como é mais comumente chamado nesta indústria, além de impor qual a tarifa máxima cobrada para cada uma destas seções.

Tal controle é feito da seguinte forma: A empresa deve informar à A.N.T.T. (Agência Nacional de Transportes Terrestres) quais os percentuais de descontos a serem praticados, a quantidade de poltronas disponíveis e a validade (datas de início e término) de cada um. E ainda, uma vez informados, a empresa é obrigada a disponibilizar estas tarifas nesta quantidade de poltronas.

Além disso, há outro ponto que dificulta ainda mais que é o fato de que o percentual de desconto praticado em uma das seções deverá ser exatamente o mesmo a ser aplicado a todas as demais.

Para entender melhor, segue um quadro de exemplo. Suponhamos que um serviço(1) partindo de Brasília com destino ao Rio de Janeiro passando por Juiz de Fora e que só tenha direito de tráfego entre Brasília e Rio de Janeiro e de Brasília para Juiz de Fora. Então temos que:


E que os descontos para o segmento BSB-RIO estejam registrados da seguinte forma:


De acordo com as regras da A.N.T.T. também se faz necessário que os descontos para a outra seção (segmento) sejam distribuidos da mesma forma repedindo-se os percentuais de desconto e ficaria da seguinte forma:



Como podem ver, a quantidade de tarifas e de poltronas associadas a cada uma são, também, exatamente iguais e isso nos dá os seguinte quadro de indicadores.
Notem que, caso tenham sido vendidas todas as poltronas, exceto pela tarifa média, todos os demais indicadores são exatamente iguais para ambos os segmentos considerando-os como trechos separados. O que fica claro que a rentabilidade das empresas são plenamente reguladas.

Examinando os indicadores por etapa (leg) ficaria da seguinte forma:


E, neste caso, estes seriam os indicadores máximos que conseguiríamos teoricamente.

Ora, sabemos que cada segmento (seção) tem sua própria curva de bookings e esta difere por faixa de horário e por dia da semana e que é única e, dentro delas, ainda há divisões por classe tarifária que tem, cada uma, seu próprio comportamento - o que pode ser chamado de "entidade". Logo, não podemos esperar o mesmo resultado para todos os segmentos de um mesmo serviço, muito menos para todos os dias e menos ainda para todos os serviços daquele mercado. Então, como se pode assumir que deva ser distribuída a mesma quantidade de poltronas para todas as seções envolvidas e ainda o mesmo percentual de desconto oferecendo tarifas determinadas pelos cálculos da A.N.T.T. baseados nos descontos criados para uma das seções de um mesmo serviço? Além disso, o número total de poltronas ainda poderá exceder o número de assentos do ônibus, o que é inconcebível ainda mais que todo passageiro é obrigado a marcar assento no ato da compra hoje em dia e, por este motivo, não há a possibilidade de se praticar overbooking.

Acima há quatro gráficos de um serviço fictício na rota RIO-JFA-BSB onde pode-se notar as diferenças na curva de bookings entre cada segmento e dia de semana inclusive na demanda média. Isso mostra que não há como oferecer o mesmo número de poltronas descontadas e com os mesmo níveis tarifários de forma idêntica para todos. Ex: Caso sejam oferecidas 30 poltronas, por exemplo com desconto e ainda guardar 12 restantes (capacidade total = 42) na tarifa cheia para o serviço 8778 do RIO para BSB nas terças-feiras todos os passageiros comprarão as tarifas menores oferecidas e, provavelmente não haverá acréscimo de demanda suficiente para lotar o carro somente neste segmento para compensar e certamente havéra uma diluição de receita considerável. Isto sem contar as demais seções que fazem parte do itinerário.
Há também o problema do sistema que é utilizado pelas empresas no Brasil. Não há o conceito de leg e de nesting e nem ao menos de classe tarifária o que dificulta e muito a aplicabilidade do Yield Management. Isto impede, por exemplo, de que cada data de um mesmo segmento seja tratada de forma distinta e obriga que sejam criados "códigos de tarifas" para cada data caso seja extremamente necessário tratá-las de forma distinta com distribuição de assentos diferenciada mesmo contrariando a legislação vigente.

Para que o Revenue/Yield Managment ofereça resultados esperados nesta indústria é necessário que haja mudanças tanto na legislação vigente que trata destas restrições como, principalmente, nos sistemas de controle de inventário de assentos e de tarifas bem como na estruturação deste setor. Hoje não há esta cultura disseminada entre as empresas rodoviárias, portanto não há a visão de como deve ser tratado e nem da importância deste departamento ou desta gerência e nem mesmo a maneira de ser encarado o trabalho que deve ser visto no detalhe e não somente no todo.

A cultura do Revenue Management deve estar em todos os departamentos da empresa e principalmente na alta administração e as decisões em relação às rotas devem ser tomadas com a participação desta gerência e não uniliteralmente. A maneira de medir a performance das ações de YM, também muda e deve ter a contribuição do RM, pois poderá mostrar resultados não verdadeiros.

Por exemplo: Vamos tomar o mercado de RIO-BSB novamente. Suponhamos que haja apenas um serviço diário nesta rota com aproveitamento médio (LF%) de 60% e receita por quilômetro média (R$/Km) de R$2,60. Após a implementação do YM o LF% passa para 90% e a R$/Km para R$3,10 neste serviço. Porém, é decidido inserir mais carros extras a fim de atender a demanda que aparentemente chegará ao ver o crescimento do aproveitamento do serviço diário oferencendo o mesmo mix tarifário. Entretanto, sem a devida análise da demanda, os carros extras não partem com mais de 45% de ocupação e, consequentemente com uma R$/Km muito aquém do esperado uma vez que foram oferecidos os mesmos descontos do serviço diário. Isso faz com que o aproveitamento médio da rota caia e a receita por quilômetro passe a ser até menor do que os R$2,60 anteriores dando a falsa impressão de que o trabalho do YM não foi eficaz o suficiente. Daí a importância da interação e da participação efetiva da gerência de RM nas decisões deste tipo a serem tomadas pela empresa.

Este tipo de dificuldade é o mesmo de 40 anos atrás na aviação, ou seja, a falta de confiança da alta administração no trabalho e nas sugestões vindas do RM, a falta de interação entre o RM e os demais setores da empresa como o Planejamento, o Marketing e o Comercial, bem como a visão imediatista da empresa em querer resultados fulminantes e imediatos para todos os serviços e todas as seções de um mercado ou até mesmo para toda a empresa em um curto espaço de tempo sem entender que há diversos fatores internos e principalmente externos que influenciam nos resultados e que devem ser analisados e atacados de forma eficiente e eficaz de acordo com a necessidade.

Há também outras dificuldades como o grande número de seções (segmentos) que podem existir ao longo do itinerário que podem ser contornadas na maioria dos casos, mas apenas com um sistema de utiliza a cultura de leg. Sem isso há até como alcançar um resultado, mas muito tímido e não constante.

Ainda há um longo caminho a percorrer neste sentido e há no Brasil um nicho para quem quiser investir nesta evolução e a empresa que sair na frente com este comprometimento terá muita vantagem.

Bom, resumindo é isso. Como sempre, estou à disposição.

Suce$$o a todos!

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